Pedro Vaz Patto
29. 11. 2008
Em Itália, continua a grande mobilização que pretende evitar a morte de Eluana Englaro, a jovem em estado vegetativo persistente que o tribunal autorizou que deixasse de ser alimentada e hidratada: tomadas de posição, vigílias de oração, apelos à consciência de quem possa colaborar nessa morte, recusa de instituição hospitalares públicas e privadas em fazê-lo, recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por parte de associações de familiares de doentes em situações análogas.
Talvez haja quem considere exagerada esta mobilização em torno de uma pessoa inconsciente desde há vários anos. Mas talvez não seja assim tão exagerada a dimensão desta mobilização…
Está em jogo uma morte atroz (de modo algum, uma morte “natural” ou uma “morte digna”): à fome e à sede, com um agonia que se prolongará durante vários dias. Não é certo que Eluana não experimente o sofrimento nessa agonia (há mesmo estudos que parecem apontar noutro sentido). E nunca uma morte atroz deixará de o ser por ser inconsciente.
A vida de qualquer pessoa, de uma deficiente grave como Eluana (os doentes em estado vegetativo persistente padecem de uma grave deficiência, não estão “mortos”), como a de um “sem-abrigo” que em França morreu de frio por estes dias, é sempre um dom preciso, porque cada pessoa é «única e irrepetível».
Mas há algo mais em jogo neste caso. No fundo, autorizar a morte de Eluana é dizer que os deficientes graves são um fardo de que podemos livrar-nos. Não é certamente a pretensão de minorar o seu sofrimento que pode justificar essa morte (pois ou se considera que não sofre por estar inconsciente, ou, se se considera que pode experimentar a dor, nunca poderia aceitar-se que sofra terrivelmente morrendo à fome e à sede). Daí que se compreenda bem a mobilização de familiares de doentes na situação de Eluana. Todos estes doentes, e todas as pessoas deficientes, são atingidos com a sua morte.
Como já alguém recordou a propósito deste caso, foi o cristianismo que, na Antiguidade, contribuiu para abolir o costume de matar ou abandonar, à nascença, crianças deficientes e deu origem a instituições hospitalares e de assistência destinadas a pessoas até então vistas como um fardo insuportável. É também a fé cristã que move as religiosas que têm cuidado de Eluana e que pretendem continuar a fazê-lo. Esta extraordinária revolução de mentalidade tem marcado a nossa civilização até hoje.
Parece que estamos agora a desbaratar este preciso legado de civilização, parece que estamos a regredir. Desde que se autorizou, em muitos países, o aborto “eugénico”, de nascituros deficientes e, já nalguns países, a chamada “eutanásia precoce” de recém-nascidos com graves e fatais doenças. Ou quando já há filósofos e médicos influentes a defender o infanticídio de recém-nascidos deficientes, seguindo a mesma lógica que conduziu à legalização do aborto de nascituros deficientes.
A morte de Eluana é outro passo neste sentido. Não é, pois, exagerado realçar o perigo desta regressão civilizacional.
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