quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Do "apagão" num congresso para o referendo ao "casamento"

Público, 20091118, Isilda Pegado

Uma formulação legal que arredasse o efeito universal do casamento seria criar uma verdadeira discriminação legal

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1. Recordam o "apagão" que na noite de um congresso socialista mandou fechar os trabalhos? Essa era a noite em que a comunicação social anunciava o debate sobre a tão desejada questão do "casamento" entre pessoas do mesmo sexo.

Mas a máquina partidária socialista com elevadíssimas capacidades e responsabilidades não foi capaz de resolver, em tempo útil, uma avaria eléctrica. Muitos diziam que ali se iria "partir a louça". O tema não tinha consenso nas bases do PS e o seu eleitorado não estava confortável. Porém, esse debate ficou por fazer dentro do PS. Aquele era o congresso que legitimava o programa eleitoral para Outubro de 2009.

2. Apesar do "apagão" ao debate sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, no programa eleitoral do PS apareceu prevista a sua legalização, embora de uma forma mitigada. Coisas de uma "cúpula esclarecida" que não carecem de grande debate.

3. Diz quem andou em campanha eleitoral socialista que em sessões de esclarecimento e comícios tal tema não surgia, ou era rapidamente abafado. Excepto quando o secretário-geral do PS tinha à frente uma câmara de televisão, para a qual debitava: "Iremos de imediato legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo."

4. Ao apresentar o programa do Governo o primeiro-ministro de Portugal indicou três medidas para a inovação e combate à crise, uma delas o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se de falta de diálogo se pode acusar a governação socialista, este é o caso paradigmático - Magister dixit.

5. Não fica por aqui este "gato escondido" ... Tem sido público que o Governo irá apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas adopção de crianças por pares homossexuais, para já, não será admitida. Ora, tal discurso constitui um verdadeiro logro, uma falsidade que se quer fazer passar usando o desconhecimento do povo.

6. O casamento é por definição legal interna e internacional fonte de relações familiares. De facto, de entre as relações que o casamento cria, a filiação é inevitável. A filiação pode ser natural, adoptiva ou artificial (reprodução artificial). Não pode criar-se um regime de casamento com efeitos de primeira e segunda categoria. O Código Civil diz (art. 1577º): "O casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexos diferentes que pretendem constituir família..." A Declaração Universal dos Direitos do Homem diz (art. 16º): "A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família."

Criar uma formulação legal que arredasse o efeito universal do casamento, sem fundamento objectivo, seria, isso sim, criar uma verdadeira discriminação legal, e por isso inconstitucional.

Isto é, admitida a celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo, está automaticamente aceite a filiação resultante da reprodução artificial e da adopção. E só não inclui a natural, porque de facto é impossível.

Os direitos humanos que estão em causa não são os daqueles que têm práticas homossexuais, mas os direitos de crianças que iriam nascer. Teríamos então crianças com direito a pai e mãe e crianças privadas deliberadamente desse direito. Onde está o superior interesse da criança?

7. Um último embuste. O que está em causa é a alteração dos pressupostos do contrato de casamento. Muitos são aqueles que já hoje se apresentam a defender a poligamia, poliandria, a remoção da idade mínima para casar (passaria para os 10 anos), afastando exigências específicas do contrato de casamento como também o é a diferença de sexos. Respondem-nos que o debate e consenso sociais sobre estas matérias não existem, e por isso a questão por ora não se coloca.

Ora, quem sabe se o casamento entre pessoas do mesmo sexo é consensual? A comunicação social? As sondagens? A tal cúpula de um ou dois partidos?

O tal "apagão" ainda pode ser reparado. O debate tem de ser feito.

Que efeitos tem uma alteração da lei nestas matérias sobre a educação dos nossos filhos ou netos?

É tempo de apagar o "apagão". É tempo de debate e de decisão sobre os destinos de um povo. E, como já se viu, a luz só virá com a discussão proporcionada pelo referendo.


Jurista e mandatária da Plataforma Cidadania e Casamento