quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Abortos muito abaixo do previsto, in Diário de Notícias 28.11.2007

"Estou convicto de que não vamos ultrapassar os dez mil abortos por ano. Se assim for, teremos uma taxa de 10% em função do número de nascimentos, o que tornaria Portugal um caso excepcional, com uma das mais baixas taxas de aborto no mundo, em termos de países que legalizaram a interrupção da gravidez por vontade da mulher." Para Jorge Branco, o coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, estes cinco meses de vigência da lei serão suficientes para avançar com uma extrapolação. "Pelos dados que temos, a situação está mais ou menos estabilizada. E como português e como médico só posso ficar muito feliz por termos uma taxa de aborto inferior à da generalidade dos países da Europa."
A concretizar-se esta previsão, Portugal ficaria, de acordo com os dados existentes sobre a interrupção da gravidez no mundo, ao nível de um país com a Irlanda, em que o aborto é rigorosamente proibido (a lei é mais severa que a anterior lei portuguesa) mas onde as mulheres têm a possibilidade de ir ao Reino Unido interromper a gravidez. Com uma taxa de 9,2% (valor de 2004), a muito católica Irlanda é um dos países da Europa ocidental com a taxa mais baixa. Com menos só a Áustria (3%, segundo dados de 2000), Malta (1,7%) e a Polónia (0,06% em 2004). Destes, só a Áustria tem uma legislação permissiva. Todos os outros países europeus que legalizaram a interrupção da gravidez nas primeiras semanas por vontade da mulher têm taxas acima dos 10%. A Holanda, um dos primeiros países a fazer passar uma legislação permissiva, e considerada a nível mundial um caso de sucesso por ter reduzido paulatinamente a taxa de aborto no novo quadro legal, apresenta 13% (dados de 2004), assim como a Suíça. No mesmo ano, a Espanha tinha 15,8%. E em 2005 a Dinamarca apresentava números correspondentes a 15%, mesmo assim abaixo da Noruega (19,7%), França (21,5%) e do Reino Unido (21,8%).
Foi com base nestas realidades, que se estabeleceu a estimativa, para Portugal, de 20 mil abortos por ano. "Era um número encontrado a partir daquilo que é considerado, internacionalmente, a referência: 20% do número de nascimentos", explica Jorge Branco, que confessa a sua agradável surpresa com a situação nacional. "Não nos pode passar pela cabeça acabar com as interrupções de gravidez, é algo que vai existir sempre, mas o programa nacional de saúde reprodutiva tem como objectivo reduzi-las. E se este número se confirmar, significa que se fez até agora um bom trabalho nesta área."
A alegria de Jorge Branco não é porém partilhada por dois activistas que no referendo do aborto estiveram em campos opostos, Alexandra Teté, da associação Mulheres em Acção (que lutou pelo Não) e Duarte Vilar, da associação para o Planeamento da Família (que defendeu o Sim). Tanto um como outro têm reservas em crer numa taxa tão baixa - e, por motivos muito semelhantes.
"É cedo para tirar sérias conclusões", diz Teté. "Há a possibilidade de ainda se estar a viver um pouco a realidade da lei anterior - tanto no sentido de não se fazer aborto como no de ainda haver aborto clandestino. Aliás, não acreditamos que vá chegar ao fim o aborto clandestino - até por motivos de privacidade." Vilar vai no mesmo sentido: "Não podemos esperar que em cinco meses o aborto ilegal desapareça. Como, de resto, a ida às clínicas espanholas. É preciso esperar para ver. Devemos ser prudentes." Relembrando o estudo que a APF fez, revelado antes do referendo, em que a partir de uma série de entrevistas a uma amostra representativa de portuguesas se chegava a uma estimativa de "16 a 17 mil abortos por ano", Vilar reforça a ideia da prudência. "Mas, obviamente, se for menos que isso só nos temos de congratular."
Quantos aos motivos que poderiam levar a um tão baixo número de abortos, este especialista em planeamento familiar aponta uma hipótese. "Segundo os últimos dados disponíveis, 87% das mulheres em idade fértil usam contraceptivos e uma altíssima percentagem destas, cerca de 70%, usa a pílula que é um método muitíssimo seguro." Teté aponta ainda a possibilidade de "o consumo da pílula do dia seguinte, de venda livre, contribuir para diminuir muito o número de abortos." E conclui: "A minha posição é quem me dera que não fosse feito nenhum. São sempre abortos de mais mesmo quando sejam menos que aqueles do que se previa."