A "procura não satisfeita" do aborto voluntário será muito inferior ao propagandeado
1.Nas últimas semanas, o aborto voltou às páginas dos jornais. Em primeiro lugar, as entidades oficiais noticiaram - com um misto de decepção e frieza - que os abortos voluntários nos hospitais públicos, desde que a nova lei passou a ser aplicada, foram cerca de metade das estimativas. Como já foi observado, é prematuro tirar conclusões definitivas. Contudo, aparentemente, a "procura não satisfeita" do aborto voluntário será muito inferior ao propagandeado e o aborto clandestino não será tão frequente como disseram os partidários do "sim", apoiados no "estudo científico" da APF. E é razoável esperar - e temer - que, tal como aconteceu noutros países, a oferta legal do aborto vá gerar e alimentar a respectiva procura. De qualquer modo, à cautela, o senhor ministro da Saúde, desiludido talvez por estes resultados ou desgostoso pelo nível de objecção de consciência invocada pelos médicos, decidiu "corrigir" o seu Código Deontológico e "reeducar" a respectiva Ordem...
2. Enquanto o senhor ministro da Saúde considera haver abortos a menos, espalha-se a convicção - nos países que antecederam Portugal neste tortuoso caminho - de que há abortos a mais... Simone Veil, a ex-ministra francesa que introduziu a lei de "despenalização" do aborto no seu país, em 1975, reconheceu recentemente que a ciência está a demonstrar a existência de um ser humano vivo desde o momento da concepção. Em França, como na Grã-bretanha, cresce a resistência dos médicos mais jovens para realizar abortos "a pedido". Lord Steel - o deputado que introduziu no Parlamento a legislação que "despenalizou" o aborto no Reino Unido - fez saber, no 40.º aniversário dessa lei, que toda a gente pode estar de acordo em que há demasiados abortos, que o aborto está a ser usado de um modo irresponsável, como mais um método de contracepção, e que nunca imaginava, quando impulsionou essa alteração legal, que se chegasse à cifra actual de abortos (The Guardian, 24-10-2007). Nos EUA, a percepção social sobre o aborto inclina-se paulatinamente para o "não", com o assunto a reviver na agenda política (sobretudo depois da recente sentença do Supremo Tribunal que ratificou uma lei que proíbe o aborto por nascimento parcial).
3. Por fim, é interessante observar como o discurso favorável à vida se tem tornado mais feminino e mesmo feminista. Não é só porque o aborto selectivo, em países como a Índia ou China, discrimina maciça e escandalosamente contra os fetos do sexo feminino. É também porque começa a ser irrecusável o rasto de sofrimento deixado pelo aborto voluntário nas mulheres que o praticaram, como foi recentemente salientado no I Encontro de Estudos Médicos sobre a Vida Humana, que reuniu em Lisboa alguns dos melhores especialistas nessa matéria. Refiro apenas dois exemplos: o prof. Joel Brind, presidente do Breast Cancer Prevention Institute, de Nova Iorque, apresentou a evidência disponível sobre a relação entre a prática do aborto e o risco acrescido (em 30 por cento, face às restantes mulheres) de cancro de mama; Priscilla Coleman, professora e investigadora da Bowling Green State University, em Ohio, mostrou como o aborto induzido está fortemente associado ao desenvolvimento de doenças mentais graves, como a depressão, a doença bipolar, a esquizofrenia e comportamentos de risco, como o suicídio. Ora, independentemente da posição de cada um quanto à questão moral do aborto, parece razoável exigir um delicado e cuidadoso respeito pelas obrigações de consentimento informado, no contexto da lei actual.
4. O aborto deixou de ser uma "estatística" e passou a constituir uma realidade vivida, analisada, sofrida e narrada por quem o padeceu. A defesa da saúde e da liberdade da mulher foi instrumentalizada para promover o aborto legal; agora, a mulher - em nome da qual, abusivamente, se fez o caminho de "ida" - protagoniza o caminho de "volta" da legislação e da atitude da sociedade face ao aborto.
Associação Mulheres em Acção
1.Nas últimas semanas, o aborto voltou às páginas dos jornais. Em primeiro lugar, as entidades oficiais noticiaram - com um misto de decepção e frieza - que os abortos voluntários nos hospitais públicos, desde que a nova lei passou a ser aplicada, foram cerca de metade das estimativas. Como já foi observado, é prematuro tirar conclusões definitivas. Contudo, aparentemente, a "procura não satisfeita" do aborto voluntário será muito inferior ao propagandeado e o aborto clandestino não será tão frequente como disseram os partidários do "sim", apoiados no "estudo científico" da APF. E é razoável esperar - e temer - que, tal como aconteceu noutros países, a oferta legal do aborto vá gerar e alimentar a respectiva procura. De qualquer modo, à cautela, o senhor ministro da Saúde, desiludido talvez por estes resultados ou desgostoso pelo nível de objecção de consciência invocada pelos médicos, decidiu "corrigir" o seu Código Deontológico e "reeducar" a respectiva Ordem...
2. Enquanto o senhor ministro da Saúde considera haver abortos a menos, espalha-se a convicção - nos países que antecederam Portugal neste tortuoso caminho - de que há abortos a mais... Simone Veil, a ex-ministra francesa que introduziu a lei de "despenalização" do aborto no seu país, em 1975, reconheceu recentemente que a ciência está a demonstrar a existência de um ser humano vivo desde o momento da concepção. Em França, como na Grã-bretanha, cresce a resistência dos médicos mais jovens para realizar abortos "a pedido". Lord Steel - o deputado que introduziu no Parlamento a legislação que "despenalizou" o aborto no Reino Unido - fez saber, no 40.º aniversário dessa lei, que toda a gente pode estar de acordo em que há demasiados abortos, que o aborto está a ser usado de um modo irresponsável, como mais um método de contracepção, e que nunca imaginava, quando impulsionou essa alteração legal, que se chegasse à cifra actual de abortos (The Guardian, 24-10-2007). Nos EUA, a percepção social sobre o aborto inclina-se paulatinamente para o "não", com o assunto a reviver na agenda política (sobretudo depois da recente sentença do Supremo Tribunal que ratificou uma lei que proíbe o aborto por nascimento parcial).
3. Por fim, é interessante observar como o discurso favorável à vida se tem tornado mais feminino e mesmo feminista. Não é só porque o aborto selectivo, em países como a Índia ou China, discrimina maciça e escandalosamente contra os fetos do sexo feminino. É também porque começa a ser irrecusável o rasto de sofrimento deixado pelo aborto voluntário nas mulheres que o praticaram, como foi recentemente salientado no I Encontro de Estudos Médicos sobre a Vida Humana, que reuniu em Lisboa alguns dos melhores especialistas nessa matéria. Refiro apenas dois exemplos: o prof. Joel Brind, presidente do Breast Cancer Prevention Institute, de Nova Iorque, apresentou a evidência disponível sobre a relação entre a prática do aborto e o risco acrescido (em 30 por cento, face às restantes mulheres) de cancro de mama; Priscilla Coleman, professora e investigadora da Bowling Green State University, em Ohio, mostrou como o aborto induzido está fortemente associado ao desenvolvimento de doenças mentais graves, como a depressão, a doença bipolar, a esquizofrenia e comportamentos de risco, como o suicídio. Ora, independentemente da posição de cada um quanto à questão moral do aborto, parece razoável exigir um delicado e cuidadoso respeito pelas obrigações de consentimento informado, no contexto da lei actual.
4. O aborto deixou de ser uma "estatística" e passou a constituir uma realidade vivida, analisada, sofrida e narrada por quem o padeceu. A defesa da saúde e da liberdade da mulher foi instrumentalizada para promover o aborto legal; agora, a mulher - em nome da qual, abusivamente, se fez o caminho de "ida" - protagoniza o caminho de "volta" da legislação e da atitude da sociedade face ao aborto.
Associação Mulheres em Acção